REFLEXÕES SOBRE O RAGNARÖK: Um olhar historiográfico sobre a ruptura espiritual imposta pelo monoteísmo
- carlospessegatti
- há 12 horas
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A transição das religiões politeístas para o domínio das tradições monoteístas no mundo ocidental não ocorreu de forma pacífica ou espontânea.
Ao contrário, como demonstram estudiosos como Mircea Eliade e Jean-Pierre Vernant, o processo envolveu forte repressão cultural, destruição de símbolos ancestrais e reconfiguração dos paradigmas espirituais que guiavam os povos.
No mundo antigo, a religiosidade era caracterizada por uma profunda conexão entre os indivíduos e as divindades da natureza.
Os deuses eram múltiplos, personificações dos elementos, das emoções e dos fenômenos sociais, como observamos nas religiões germânicas, celtas, greco-romanas e egípcias.
Essas práticas envolviam rituais de reciprocidade com a terra, culto aos ancestrais e uma ética de equilíbrio e harmonia com o cosmos.
Como afirma Eliade,“o sagrado se manifestava no mundo como hierofania, ou seja, o divino se revelava na natureza e nos mitos.”
Entretanto, com o avanço das religiões monoteístas, especialmente o cristianismo após a conversão do Império Romano no século IV sob Constantino, instaurou-se uma nova lógica espiritual: a supremacia de um único Deus, exclusivo e universal.
Essa mudança representou, segundo Vernant, uma ruptura ontológica: “não mais o sagrado como múltiplo e presente, mas como transcendente e separado do mundo.”
O monoteísmo, ao se institucionalizar, passou a perseguir cultos pagãos, destruindo templos, proibindo rituais ancestrais e estigmatizando qualquer manifestação religiosa que não estivesse de acordo com a nova ortodoxia.
O que muitos hoje chamam de "Ragnarök", dentro da cosmovisão nórdica, não é apenas o fim do mundo, mas a morte dos deuses, o colapso de uma ordem espiritual.
Essa metáfora pode ser interpretada como o fim das conexões espirituais anteriores à hegemonia monoteísta.
Quando os deuses antigos deixaram de ser cultuados, com eles desapareceram valores como a honra, a lealdade, a comunhão com a natureza e o respeito pelos ciclos da vida e da morte, aspectos centrais das cosmologias politeístas.
O historiador francês Georges Duby observa que o processo de cristianização da Europa medieval foi, em grande medida, um projeto de controle social e cultural, em que os antigos deuses foram demonizados e as populações forçadas à conversão.
Isso não apenas destruiu sistemas religiosos tradicionais, mas também apagou conhecimentos ancestrais transmitidos oralmente por gerações.
Portanto, ao refletir sobre a ideia de "Ragnarök", é necessário compreender que não se trata apenas de um mito apocalíptico, mas de uma realidade histórica: o desaparecimento sistemático das religiões naturais diante da imposição de um modelo único de fé.
Resgatar os ensinamentos ancestrais, nesse contexto, não significa um retorno literal ao passado, mas uma revalorização dos princípios que estruturavam a relação dos povos com a vida, com a terra e com o sagrado.
Hoje, movimentos neopagãos e reconstrucionistas buscam restaurar essas conexões perdidas, defendendo caminhos espirituais que celebram a diversidade, a liberdade de culto e a reconexão com a ancestralidade.
Como destaca Ronald Hutton, “o ressurgimento do paganismo moderno não é um retorno à barbárie, mas uma tentativa de recuperar a espiritualidade esquecida pelas tradições dominantes.”
Diante disso, propõe-se uma nova união espiritual: caminhos antigos de volta, livres de preconceitos, onde as pessoas possam se reencontrar com suas raízes, com os deuses esquecidos e com os valores que sustentavam sociedades mais próximas da natureza e do espírito.
Texto e organização:
Klaus Dante
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